Gosto muito de lidar com paradoxos, pois acho que a vida, dentro do mundo físico, é constituída dessa pulsação dos "opostos": ora é uma coisa, ora é outra e ambos têm que existir paralelamente, num eterno movimento de contração e expansão.
Em outras tradições isto também foi observado e expresso com diversas metáforas, sendo a mais famosa, o Yin-Yang do Tao.
A Tradição Cabalista está repleta de conceitos paradoxais. Na verdade, tudo deriva das noções de "Luz Oculta" e "Luz Revelada".
Dentro da Cabalá, a maneira mais didática que nossos sábios encontraram para trazer para o mundo físico esta noção cósmica, é o tal do binômio "receber-compartilhar".
Se você deseja compartilhar, precisa receber. No entanto, se você está sempre repleto, não há espaço para recebimento de nada. Portanto, é necessário se esvaziar, e fazemos isso compartilhando. O conselho cabalista é o compartilhar "radical". Compartilhe, mesmo que o mundo te force ao contrário.
Baseado nisso, está o conceito da contração voluntária. Tudo precisa se esvaziar para que o movimento do universo não seja interrompido. Portanto, podemos optar pelo auto-esvaziamento. Ou seremos chacoalhados pela vida e esvaziados à força.
"Positivo" é a expansão. "Negativo" é contração. Quando não gostamos, ou não entendemos a contração, classificamos a situação como "Mal". E, imaturamente, classificamos o mundo em "Bem" e "Mal" e cremos numa batalha exterior entre essas duas forças.
No entanto, há uma batalha INTERIOR entre nosso impulso por proximidade com a Luz e nosso impulso por afastamento da Luz. O "Mal" que se manifesta no mundo é reflexo das pequenas partículas de "Mal" que há dentro de nós mesmos. Se há violência no mundo, é porque há violência dentro de nós. Se há intolerância no mundo, é porque ela habita em nós. Se há injustiça no mundo, é porque somos intrinsecamente injustos.
Também observamos nisto duas pulsões do universo: masculino e feminino. O masculino sendo externo, proativo, evidente e, o feminino, sendo interno, receptivo e oculto. Todos os seres possuem estas características e o objetivo de cada ser deste universo é equilibrar estas duas funções a fim de se tornar um canal eficiente para o transporte das energias sublimes para dentro desta realidade.
Por último, o conceito que me inspirou a escrever este post: o serviço espiritual. Para a Cabalá, a Iluminação (Ruach HaKodesh) se dá dentro da experiência mundana. Não existe um evento pirotécnico e excepcional que nos leva à Iluminação. Ela sempre irá ocorrer dentro da experiência banal do dia-a-dia. No entanto, só poderemos chegar a este estágio através do árduo trabalho de refinamento pessoal e da fidelidade a um caminho espiritual (seja ele qual for). Se estivermos com o espírito aceso e fizermos nosso serviço espiritual e estudo das leis cósmicas com amor (expansão) e disciplina (contração), conseguiremos perceber a interconexão de tudo dentro do dia-a-dia. Esta capacidade é o que se chama Iluminação, pois é quando percebemos "D-us presente".
É importante observar que há uma diferença entre 'religião' e 'caminho espiritual'. A Cabalá sempre foi muito mal vista pela religião judaica oficial. Os maiores inimigos dos cabalistas sempre foram os cabeças da religião. Cabalá não é religião, é um caminho espiritual. Assim como o sufismo, o taoismo e o shamanismo, entre outras.
Pare de protelar, assuma a sua responsabilidade enquanto ser humano e opte pela disciplina liberadora de algum caminho espiritual. Aprenda a ver a beleza do paradoxo.
Um comentário:
Obrigada por esse texto tão interessante!
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